quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Bacillus cereus

 1) Morfologia e Estrutura     

Bacillus cereus é uma bactérias Gram-positiva, beta-hemolítica e pertence à família Bacillaceae. Sua estrutura apresenta-se na forma de bastonetes (bacilos), geralmente móveis, podendo ou não apresentar flagelos peritríquios. São bactérias anaeróbicas facultativas, formadoras de esporos bastante resistente às condições adversas, com parede celular formada por peptideoglicano contendo ácido meso diaminopimélico e ácido teicóico.

        Pode se desenvolver em temperaturas baixas, em torno de 5ºC, e germinar em altas temperaturas, cerca de 50ºC, no entanto a faixa ideal é de 30 – 35°C. Além disso cresce em pH alcalino (4,9 – 9,3) e tolera concentrações de cloreto de sódio até 7,5%, mas tem seu crescimento interrompido em concentrações de 10%.

        Bacillus cereus produzem enterotoxinas (diarreia e emética), por isso são conhecidas como agentes etiológicos de doenças de origem alimentar. A toxina diarreica é uma proteína produzida durante o crescimento das células e a toxina emética é um peptídeo formado na fase estacionária do crescimento e bastante resistente ao calor, a pH extremos e à digestão enzimática. Aa células germinativas são destruídas no processo de cozedura, entretanto os esporos são moderadamente resistentes ao calor. 

Fonte:https://www.foodsafetynews.com/2018/12/australian-scientists-discover-how-to-fight-bacillus-cereus-bacteria/


2) Mecanismos de patogenicidade


O grupo de bactérias Bacillus cereus é muito abundante na natureza, sendo um patógeno primário, possuindo temperatura ideal de 25 a 37° C, entretanto, existem espécies com características psicrotróficas e termodúricas que resistem a situações de temperatura de 3 a 75°C, tornando-as resistentes aos métodos industriais de processamento de alimentos e aumentando sua patogenicidade. Além disso, essas bactérias já foram encontradas em uma grande variedade de alimentos, e o tratamento térmico em alguns desses alimentos, como por exemplo o leite, acaba ativando os esporos da B. cereus com quase 95% de eficiência, ou seja, ao invés da eliminação, acaba ocorrendo a proliferação dessas bactérias.

As bactérias Bacillus cereus podem causar dois tipos de doenças alimentícias resultadas da produção de enterotoxinas diferentes, a síndrome diarréica e a síndrome emética. Em relação a dose infecciosa, sabe-se que são necessárias aproximadamente entre 105 a 108 células para que seja produzido toxina suficiente para manifestação das síndrome.

A toxina emética, chamada cereulide, é responsável pelo vômito nas infecções do B. cereus, essa toxina é resistente a mudanças de Ph, temperatura e proteólise e não resulta em resposta antigênica. Embora ainda existam dúvidas quanto a seu mecanismo, foi mostrado que ela atua estimulando o nervo Vago aferente. Além disso, as bactérias também produzem toxinas que causam grandes danos aos tecidos, que embora nem todas estejam categorizadas, existem algumas que são bem conhecidas.

        A HBL é uma das toxinas produzidas, sendo composta de 3 proteínas (B, L1 e L2), com capacidade hemolítica, dermonecrótica, causa acumulação de fluídos e tem permeabilidade vascular. Essa toxina pode aparecer sem todas as proteínas que a compõem, com o efeito de ter uma atividade menor. Além dela, também existe a NHE, com mesmo componente de proteínas, diferenciando apenas as quantidades de cada proteína na sua composição, essa toxina não apresenta função de lise celular e por isso têm menor papel na virulência da bactéria.     Estudos mostram que a proteína B na HBL, é responsável pela ligação entre a toxina e as células alvo, e as proteínas L causam as lises celulares. Além dessas toxinas, outro fator que aumenta a patogenicidade do B. cereus é a falta de conhecimento científico em relação à regulação e organização genética dessas proteínas.


3) Cultura e/ou Diagnóstico laboratorial 


O B. cereus pode ser cultivado no laboratório a partir de materiais coletados dos pacientes com a forma emética (vômito) de intoxicação alimentar. Deve ser feito o isolamento do microrganismo tanto de materiais não fecais (olhos, sítios intravenosos, entre outros) como de produtos alimentares suspeitos, para que seja confirmado se a doença foi decorrente do alimento infectado.

Para diferenciá-lo de demais bactérias podem ser utilizados os critérios da colocação de Gram, que consiste na classificação de bactérias conforme as suas características morfológicas. Neste caso, servindo apenas para diagnóstico provável rápido do agente infeccioso.

    Todavia, normalmente, não são realizados testes para identificar as enterotoxinas produzidas pelo B. cereus, sendo as gastroenterites causadas por ele detectadas por aspectos epidemiológicos.
Fonte: Google Imagens

4) Patogênese e Patologia 


 4) Patogênese 


A patogenicidade do Bacillus cereus está relacionada com a destruição de tecidos pela ação de exoenzimas, que são produzidas por essa bactéria. As enzimas secretadas por tal microrganismo, destaca-se: quatro hemolisinas, três fosfolipases, uma toxina chamada cereulide e três enterotoxinas formadoras de poro ( hemolisina BL – hbl; toxina não hemolítica – nhe; citotoxina k). Além disso,  os esporos do B. cereus possuem características importantes no processo de patogênese, como resistência a altas temperaturas,à secagem, a alguns sanitizantes químicos e à radiações ionizantes ( UV). Os esporos também  auxiliam na adesão em superfícies, colaborando para a propagação da bactéria em diversos ambientes.


4) Patologia 

 

Os Bacillus cereus são microrganismos ubiquitários, que podem ser encontrados em diversos ambientes. Em relação aos grupos de risco, incluem-se indivíduos que consomem alimentos contaminados com a bactéria, como arroz, carnes e vegetais; pessoas que sofreram lesões traumáticas penetrantes, como nos olhos; pacientes que receberam injeções intravenosas e também aqueles imunocomprometidos.


4.1) Gastroenterite


    A gastroenterite causada por B. cereus pode se apresentar de duas formas, de acordo com a enterotoxina produzida pelo microrganismo. Observa-se a existência da síndrome emética e da síndrome diarreica, ambas ocorridas devido à intoxicação alimentar, que acontece principalmente durante o manuseio, processamento, estocagem ou distribuição dos alimentos. 

  •    Síndrome emética ( doença com vômito) 

Essa forma da doença ocorre principalmente por meio do consumo de arroz contaminado, mas também pode ser desenvolvida com a ingestão de  cremes pasteurizados, espaguetes, purê de batata e brotos vegetais. 

A maioria dos bacilos é destruída durante o cozimento inicial do arroz, entretanto os esporos resistentes ao calor sobrevivem. Se o arroz cozido não for refrigerado, os esporos germinam e as bactérias podem multiplicar‑se rapidamente, podendo liberar uma enterotoxina termoestável, chamada cereulide, que não é destruída quando o arroz é reaquecido. Assim, o indivíduo que adquire a forma emética da gastroenterite é devido à ingestão dessa enterotoxina e não da bactéria. O período de incubação após a ingestão do arroz contaminado é curto, entre uma a seis horas, bem como a duração da doença, que é menos de 24 horas. Os sintomas consistem em vômitos, náuseas e cólicas abdominais. Febre e diarreia normalmente estão ausentes.


  •   Síndrome diarreica ( doença com diarréia)

Ocorre por meio consumo de carne,vegetais ou molhos contaminados, em que os microrganismos alcançam o intestino delgado, onde se multiplicam e liberam três enterotoxinas termolábeis: hemolisina BL – hbl; toxina não hemolítica – nhe; citotoxina k - CytK, responsáveis pelo surgimento de sintomas, como diarreia, náuseas e cólicas abdominais. Observa-se, pois, que o desenvolvimento dessa forma diarreica é caracterizada pela ingestão dos esporos. O período de incubação é mais prolongado, entre  8 e  16 horas e a duração da doença em geral, dura de um ou mais dias.

4.2) Infecção ocular

Pelo menos três toxinas têm sido implicadas na infecção ocular por Bacillus cereus, que são:  a toxina necrótica (uma enterotoxina termolábil), a cereolisina (uma potente hemolisina ) e a fosfolipase C (uma potente lecitinase). Acredita‑se que a rápida destruição do olho, característica das infecções por B. cereus, resulte da interação dessas toxinas.

 4.3) Sepse relacionada ao uso de cateteres intravenosos

  As espécies de Bacillus podem colonizar a pele transitoriamente e ser isoladas de hemocultura como contaminante sem significado clínico. Entretanto, na presença de um corpo estranho intravascular, esses microrganismos podem ser responsáveis por bacteremias persistentes e sinais de sepse, como febre, calafrios,hipotensão e choque)

5) Tratamento

  Devido à evolução curta e não complicada das gastroenterites causadas por Bacillus cereus, o tratamento sintomático é adequado. Assim, vancomicina, clindamicina, ciprofloxacina e gentamicina podem ser usadas para tratar as infecções. Penicilina e cefalosporinas, contudo, são ineficientes, visto que a presença de B-lactamases nas células de B. cereus promove a inativação de penicilina e de cefalosporina, gerando resistência dessa espécie a tais antibióticos.

O tratamento de outras infecções causadas por Bacillus pode ser complicado devido à evolução rápida e progressiva, por isso as infecções oculares e demais doenças invasivas necessitam de remoção dos corpos estranhos e tratamento com os mesmos antibióticos já citados, vancomicina, clindamicina, ciprofloxacina ou gentamicina.

 6)  Prevenção e Educação em saúde


A bactéria Bacillus cereus pode ser isolada a partir de produtos crus e processados, como preparações cárneas, arroz, laticínios, vegetais, condimentos e dentre outros. Ela é responsável por 1% a 25% do total de surtos de doenças de origem alimentar que ocorrem no mundo, revelando a necessidade de estabelecer medidas de prevenção efetivas para diminuição desses casos.

Entre os fatores que contribuem para o aumento dos riscos de contaminação da comida pelo B. cereus, estão a falta de higienização adequada dos locais de preparo e armazenamento e a exposição dos alimentos a temperaturas inadequadas, pois esses expostos à temperatura ambiente por longos períodos e com a refrigeração e a cocção inadequadas podem estar entre as principais causas de contaminação. Como exemplo, é possível indicar as cozinhas de grande porte como ambientes favoráveis ao crescimento dessa bactéria, visto que, além da manipulação de grande quantidade de alimentos, esses ainda passam longos períodos de resfriamento e de espera, adicionando-se o tempo entre preparo e consumo.

Dessa forma, a prevenção está associada a necessidade de controle da temperatura, atividade de água e pH dos alimentos para limitar a germinação dos esporos da bactéria. O aquecimento desses a temperaturas maiores que 100°C permitirá eliminar parte desses esporos indesejados. Além disso, é importante não preparar alimentos com muita antecedência devido ao tempo de exposição até o consumo e promover o resfriamento rápido dos alimentos não consumidos.

Ademais, é fundamental a adoção de medidas rigorosas de higiene de equipamentos e utensílios utilizados para preparo e armazenamento da comida, além da higienização dos ambientes onde essa será colocada, como bancadas e dispensas, para evitar contaminação cruzada entre alimentos crus e cozidos ou contaminação por vetores de microrganismos no ambiente.

Fonte: arquivo pessoal

7) Caso clínico 


    M.C.S, sexo feminino, 38 anos, branca, residente na zona rural de Mossoró deu entrada em unidade hospitalar queixando- se de êmese e náusea recorrentes observadas cotidianamente sempre após as refeições, também queixa-se de diarreia aquosa, com menos frequência que a êmese. Na pré consulta observou-se que a paciente encontrava-se com leve desnutrição, eupnéica, deambulante, com PA de 120 mm Hg/80mm Hg, temperatura corporal na hora da aferição de 37°C  mas queixa-se de pirexia, saturação de oxigênio em 95%.     Paciente relatou que vive em residência de "taipa" sem presença de energia elétrica e água encanada e sua alimentação se baseia em arroz, feijão, farinha de mandioca e ovos. Quando questionada se já havia feito exames e tratamentos para possíveis helmintíases disse que sim, exames para helmintos foram repetidos e apresentaram resultados negativos.


8) Questões de Estudo


1-Quais testes você solicitaria como auxiliares para o diagnóstico de Bacillus cereus?
2-Qual a relação do modo de vida e alimentação da paciente com os sintomas observados?
3-Qual ou quais as medidas profiláticas para essa comorbidade?
4-Comente sobre as duas possíveis complicações clínicas causadas pelo Bacillus cereus relacionando-as com com o estágio da vida do bacilo.
5-Descreva a morfologia do Bacillus cereus.


 REFERÊNCIAS

DE OLIVEIRA, E.B. et al. Caracterização da intoxicação alimentar causada pelo Bacillus cereus: UMA REVISÃO. Higiene Alimentar, v. 31, n. 268/269, 2017.

GRANUM, Per Einar; LUND, Terje. Bacillus cereus and its food poisoning toxins. FEMS microbiology letters, v. 157, n. 2, p. 223-228, 1997.

MACENA, I.R. Estudos sobre o metabolismo de Bacillus cereus isolados de alimentos adquiridos no mercado varejista da cidade de Curitiba. Paraná, Brasil. 1997.

MAZIERO, M.T.; DOS SANTOS BERSOT, L. BACILLUS CEREUS EM PRODUTOS LÁCTEOS-UMA REVISÃO. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 66, n. 381, p. 5-12, 2011. 

FONSECA, Pedro Henrique Dobrões da. Análise da expressão e produção de enterotoxinas e toxina emética de Bacillus cereus. 2016. PhD Thesis.


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