quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Corynebacterium diphtheriae

1) Morfologia e Estrutura


A Corynebacterium diphtheriae é uma espécie de bactérias bacilares  pleomórficos (0,3 a 0,8 × 1,0 a 8,0 μm) que se cora irregularmente, são gram-positivas, quimiorganotrópicas, catalase positivo, oxidase negativos, imóveis, anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, que causam difteria. As cepas podem ou não ser produtoras de toxinas (toxina diftérica).  Suas colônias são marrom escuras ou negras e as grandes, com 1 a 3 mm de diâmetro, são observadas em ágar‑sangue, após incubação por 18 a 24 horas. Meios seletivos e diferenciais  podem  ser  utilizados  para  o  isolamento  desse  patógeno  a  partir  de  espécimes  clínicos contaminados  com  outros  organismos,  como  materiais  obtidos  da  faringe.  A  espécie  C.  diphtheriae  é subdividida em quatro biótipos de acordo com  a morfologia da colônia e propriedades bioquímicas: belfanti, gravis, intermedius e mitis, sendo que o biotipo mitis e o gravis são mais comumente associado à doença. O principal fator de virulência é a toxina diftérica, uma exotoxina do tipo A‑B que inibe a síntese de proteínas; o agente etiológico da difteria: formas respiratória e cutânea.


Figura 1: Estrutura de um bacilo

Fonte: Site da Semantic Scholar


Figura 2: Corynebacterium diphtheriae

Fonte: Site da Semantic Scholar.


Figura 3: Micrografias ilustrando a interação de células epiteliais com a amostra Corynebacterium diphtheriae

Fonte: Revista Brasileira de Análises Clínicas - Volume: 43.


2) Mecanismos de Patogenicidade 


2.1) Toxina da difteria

A toxina da difteria (DT) é um polipeptídeo que contém três domínios: o fragmento A amino terminal (FA ou domínio C catalítico), fragmento B (FB ou carboxi domínio R de ligação ao receptor terminal) e o domínio T de translocação (ou transmembrana). A toxina da difteria é sintetizada sob a privação de ferro e é extracelular secretado como uma única cadeia polipeptídica. nessa conformação, a toxina é inativa, pode ser absorvida pelo sistema circulatório e disseminado para partes remotas do corpo. A toxicidade de apenas uma molécula de AF no citosol é alto o suficiente para matar uma célula infectada. A entrega de DT para o citosol é um processo sequencial. Primeiro, a toxina se liga à endocitose mediada por receptor de superfície celular sensível (RME) via domínios R e o crescimento epidérmico de ligação à heparina precursor do tipo fator (HB-EGF). Em segundo lugar, a toxina entra na célula por endocitose e o pH ácido dentro do endossomo desencadeia uma translocação do domínio catalítico (FA), levando à inserção dos domínios T e C na membrana. O domínio C ativo cruza o membrana endossômica no citoplasma e a inibição da síntese de proteínas ocorre via ADP-ribosilação de seu alvo celular, o fator de alongamento 2 (EF-2).O gene tox para a expressão da toxina da difteria está localizado em genomas de corinebacteriófagos, que são capazes de se integrar nos cromossomos de C. diphtheriae, C. ulcerans e C. pseudotuberculosis.


2.2) Ácidos micólicos e micolatos de trealosil

Os ácidos micólicos, os principais constituintes lipídicos das Corynebacterineae, são a principal característica do grupo CMNR (Corynebacterium, Mycobacterium, Nocardia e Rodococcus) de Actinobacteria e desempenham um papel essencial na manutenção da integridade do envelope de células bacterianas. Eles influenciam fortemente a segunda barreira de permeabilidade correspondendo à membrana externa de bactérias Gram-negativas. E contribui para a estabilidade da parede celular (Gahoi et al., 2013). Além disso, uma micoliltransferase semelhante designada proteína de ligação à fibronectina, foi identificada em corinebactérias.


2.3) Pili

Pili e fímbrias são protuberâncias proteicas que desempenham um papel importante para a fixação de bactérias a superfícies abióticas e bióticas. A presença de fímbrias na superfície de Corynebacterium renale foi relatada pela primeira vez por Yanagawa & Honda (1976), quando foi sugerida a participação na adesão aos eritrócitos. Desde então, as estruturas pili podem ser o fator de adesão mais investigado na superfície de C. diphtheriae, no que diz respeito,dados experimentais na interação hospedeiro-patógeno de células eucarióticas, bem como detalhes das análises biológicas moleculares. Estruturas Pili são covalentemente ligadas ao peptidoglicano da parede celular e sua formação requer enzimas com atividade transpeptidase e sinais de classificação de superfície proteínas. 


3) Cultura  


Espécimes clínicos para o cultivo de C. diphtheriae devem ser coletados tanto da nasofaringe quanto da orofaringe e devem ser inoculados primeiro em um meio não seletivo, enriquecido com ágar‑sangue, e depois em um meio seletivo, meio Tinsdale. O telurito inibe o crescimento da maioria das bactérias do trato respiratório superior e de bacilos Gram‑negativos, além de ser reduzido pelo C. diphtheriae, produzindo colônias características de coloração acinzentada ou negra na placa de ágar. A degradação da cisteína pela atividade da cisteinase de C. diphtheriae produz um halo marrom ao redor das colônias. O ágar Tinsdale é o melhor meio para cultivo de C. diphtheriae em amostras clínicas, no entanto esse meio só pode ser armazenado por curtos períodos de tempo e requer a adição de soro de cavalo.


Figura 4:  C. diphtheriae em meio Tinsdale

Fonte: www.microbiologyinpictures.com.


4) Diagnóstico Laboratorial


O tratamento inicial de um paciente com difteria é instituído com base no diagnóstico clínico e não com base nos resultados laboratoriais, uma vez que os resultados definitivos são disponibilizados em, no mínimo, uma semana. Embora o diagnóstico clínico seja utilizado, é imprescindível  a investigação laboratorial para o aumento da especificidade do diagnóstico clínico e para que se conheça a frequência da infecção, a participação de cepas toxigênicas e demais características do agente etiológico. Avaliação bioquímica mais extensa ou sequenciamento de genes espécie‑específicos são necessários para identificação da espécie.  

Teste de Toxigenicidade: todos os isolados de C. diphtheriae devem ser testados quanto à capacidade de produção de exotoxina. O método considerado padrão‑ouro para detecção da toxina diftérica é um ensaio de imunodifusão in vitro (teste de Elek). Um método alternativo é a detecção do gene que codifica a exotoxina utilizando a reação em cadeia da polimerase (PCR).  As cepas não toxigênicas de C. diphtheriae não causam difteria clássica. Entretanto, essas cepas não devem ser ignoradas, já que podem estar associadas a outras doenças importantes, incluindo septicemia, endocardite, artrite séptica, osteomielite e formação de abscesso.  Para uma melhor compreensão do PCR, segue o link de um laboratório virtual onde a técnica pode ser realizada: https://learn.genetics.utah.edu/content/labs/pcr/.


Figura 5: Teste de Elek positivo em 1 e 4

Fonte: www.rahulgladwin.com.


5) Patogênese e Patologia


O principal fator de virulência é a toxina diftérica, uma exotoxina do tipo A‑B. Existem três regiões funcionais na molécula da toxina, a região de ligação com o receptor e a região de translocação, ambas localizadas na subunidade B, e a região catalítica localizada na subunidade A. O receptor para a toxina é o fator  de  crescimento  epidérmico  ligante  de  heparina,  que  está  presente  na  superfície  de diversas  células  eucarióticas,  especialmente  nas  células  cardíacas  e  nervosas, o que  explica  os  sintomas neurológicos e cardíacos observados em pacientes com quadros de difteria grave. Após a ligação da toxina à célula hospedeira, a região de translocação é inserida na membrana endossômica, facilitando a internalização da região catalítica para o citosol. A subunidade A então bloqueia a síntese de proteínas da célula hospedeira pela inativação do fator de alongamento‑2 (EF‑2), um fator envolvido na movimentação das cadeias peptídicas originadas  nos  ribossomos. A  síntese  da  toxina  é  regulada  por  um  elemento  codificado  pelo  cromossomo,  o repressor  da  toxina  diftérica  (DTxR).  Essa  proteína,  ativada  na  presença  de  altas  concentrações  de  ferro,  é capaz de se ligar ao operador do gene da toxina e reprimir a sua produção.


Figura 6: Toxina diftérica

Fonte: Ton-That H., Schneewind O. (2003). Assembly of pili on the surface of Corynebacterium diphtheriae. Mol Microbiol 50(4):1429-1438.


5) Patologia


A exposição a C. diphtheriae pode resultar em colonização assintomática em pessoas  totalmente imunizadas, doença respiratória moderada em pacientes parcialmente imunizados ou em doença  fulminante e algumas  vezes  fatal,  em  pacientes  não  imunizados .  A  toxina  diftérica  é produzida no sítio da infecção e é disseminada pela corrente sanguínea, para produzir os sinais sistêmicos de difteria. O microrganismo não precisa entrar no sangue para causar a doença. Ela pode apresentar duas formas:

  • Difteria respiratória: início súbito com faringite exsudativa, dor de garganta, febre baixa e mal‑estar; uma pseudomembrana espessa se desenvolve na faringe; complicações cardíacas e neurológicas são as mais significativas em pacientes críticos.

  • Difteria cutânea: A difteria cutânea é adquirida pelo contato da pele com outras pessoas infectadas. O microrganismo coloniza a pele e penetra no tecido subcutâneo através de fissuras na pele. Inicialmente ocorre o desenvolvimento de uma pápula  que  evolui  para  uma  úlcera  crônica  que  não  cicatriza  e  que, algumas  vezes, é  coberta  por  uma membrana acinzentada. 


Figura 7: Faringite exsudativa na Difteria.
Fonte: Site da Semantic Scholar

6) Tratamento, Prevenção e Educação em saúde 


A medida terapêutica na Difteria é a administração do soro antidiftérico (SAD), que deve ser feito em unidade hospitalar e cuja finalidade é inativar a toxina circulante o mais rapidamente possível e possibilitar a circulação de excesso de anticorpos, em quantidade suficiente para neutralizar a toxina produzida pelos bacilos. O SAD não tem ação sobre a toxina já impregnada no tecido. Portanto, sua administração deve ser feita o mais precocemente possível, frente a uma suspeita clínica bem fundamentada. Antibioticoterapia com penicilina ou eritromicina é também utilizada para eliminar C. diphtheriae e bloquear a produção de toxina. Durante o tratamento são importantes o repouso, o  isolamento  para  prevenir  transmissão  secundária  e  a  manutenção  de  uma  abertura  nas  vias  aéreas  em pacientes  com  difteria  respiratória. Após  a  recuperação  do  paciente,  a  imunização  com  toxóide  diftérico  é necessária, uma  vez  que  a maioria dos pacientes  não  conseguem  desenvolver  anticorpos protetores depois  da infecção natural. Inicialmente, as  crianças  recebem  cinco  injeções  dessa  preparação,  juntamente  com  antígenos  do  tétano  e  de  pertússis (vacina DTP), nas idades de 2, 4 e 6 meses, 15 a 18 meses e 4 a 6 anos. Após esse período, é recomendado um reforço a cada 10 anos com o toxoide diftérico combinado com o toxoide tetânico. 

A eficácia da imunização é bem documentada, sendo a doença restrita a indivíduos não imunizados ou imunizados de forma incompleta. As pessoas  que mantiveram  contato próximo  com  pacientes  diagnosticados  com  difteria  apresentam  risco  de aquisição da doença. Espécimes clínicos da nasofaringe para cultivo de C. diphtheriae devem ser coletados de todas  estas  pessoas,  e  profilaxia antimicrobiana  com  eritromicina  ou  penicilina  deve  ser  iniciada imediatamente.  Qualquer indivíduo  que  tenha  tido  contato  e  que  não  tenha  completado  todas  as  etapas  de imunização  para  difteria  ou  que  não  tenha  recebido  a  dose de  reforço  nos últimos  cinco  anos,  deve  receber uma dose de  reforço do  toxóide. Pessoas expostas  à difteria  cutânea devem ser  tratadas da mesma maneira, uma  vez  que  já  foi  relatado  que  essa  forma  de  difteria  é mais  contagiosa  do  que  a  forma  respiratória.  Se  a infecção  respiratória  ou  cutânea  é  causada  por  uma  cepa  não  toxigênica,  a  profilaxia  não  é  necessária  em indivíduos que tenham tido contato com os pacientes.


Figura 8: Cartaz educativo sobre Difteria

Fonte: Centro de Infusão, Infectologia e Vacinas - Hospital Dia.


Figura 9: Campanha de prevenção à Difteria

 

Fonte:https://alomae.prefeitura.sp.gov.br/difteria-2017/.


Figura 10: Campanha de prevenção à Difteria

Fonte:www.alcaldiaelhatillo.gob.ve.


Vídeo 1: C. diphtheriae

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UP1puhpUyV4&ab_channel=Osmosis


7) Caso clínico 


S.N.J.H.G, 57 anos, proveniente de Tibau, sem apresentar a carteira de vacinação , deu entrada em um hospital local com queixas de dor de garganta e dificuldade para deglutir depois de uma viagem a Pernambuco. O plantonista prescreveu ao paciente antibióticos orais e deu alta.  Após dois dias teve piora do quadro e foi encaminhado ao HRTM com calafrios, sudorese, dificuldade para deglutir e respirar, náusea e vômito, permanecendo desta vez internado na unidade de terapia intensiva. Apesar do tratamento, ele continuou a piorar e no 17° dia de hospitalização desenvolveu complicações cardíacas e foi a óbito.


8) Questões de Estudo

  1. Que tipo de patologia este caso clínico ilustra? 


  1. Quais os meios de transmissão e quais as medidas de profilaxia?


  1. Quais as principais manifestações clínicas? 


  1. Quais são os biotipos dessa bactéria e quais os que normalmente causam os sintomas apresentados pelo paciente?


REFERÊNCIAS

CHAUDHARY, Anmol; PANDEY, Shivlal. Corynebacterium Diphtheriae. StatPearls [Internet], 2020.

FORMIGA, Luiz Carlos D.; GUARALDI, Ana Luiza Mattos. Difteria: profissionais susceptíveis, diagnóstico, vacinação e reparação de danos. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 37, n. 4, p. 292-293, 2001.

MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR). Difteria. In.: Informe Epidemiológico. 2015. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2015. Disponível em: <www.saude.gov.br/images/pdf/2018/marco/12/BR-Dif-Informe-2015.pdf>. Acesso em: 20 set. 2020

MURRAY, P.; ROSENTHAL, K. S.; PFFALER, M. A. Microbiologia Médica, ELSEVIER, 7a edição. 2010.




Um comentário:

  1. Autores do trabalho:
    Gabriel de Oliveira Moura Cunha
    Herculano Lins Oliveira
    Jeones Oliveira Gomes do Rego
    Nadson Alves do Nascimento
    Samuel Marcondes Puker de Sousa

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