1) Morfologia e Estrutura
A Corynebacterium diphtheriae é uma espécie de bactérias bacilares pleomórficos (0,3 a 0,8 × 1,0 a 8,0 μm) que se cora irregularmente, são gram-positivas, quimiorganotrópicas, catalase positivo, oxidase negativos, imóveis, anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, que causam difteria. As cepas podem ou não ser produtoras de toxinas (toxina diftérica). Suas colônias são marrom escuras ou negras e as grandes, com 1 a 3 mm de diâmetro, são observadas em ágar‑sangue, após incubação por 18 a 24 horas. Meios seletivos e diferenciais podem ser utilizados para o isolamento desse patógeno a partir de espécimes clínicos contaminados com outros organismos, como materiais obtidos da faringe. A espécie C. diphtheriae é subdividida em quatro biótipos de acordo com a morfologia da colônia e propriedades bioquímicas: belfanti, gravis, intermedius e mitis, sendo que o biotipo mitis e o gravis são mais comumente associado à doença. O principal fator de virulência é a toxina diftérica, uma exotoxina do tipo A‑B que inibe a síntese de proteínas; o agente etiológico da difteria: formas respiratória e cutânea.
Figura 1: Estrutura de um bacilo
Fonte: Site da Semantic Scholar
Figura 2: Corynebacterium diphtheriae
Fonte: Site da Semantic Scholar.
Figura 3: Micrografias ilustrando a interação de células epiteliais com a amostra Corynebacterium diphtheriae
Fonte: Revista Brasileira de Análises Clínicas - Volume: 43.
2) Mecanismos de Patogenicidade
2.1) Toxina da difteria
A toxina da difteria (DT) é um polipeptídeo que contém três domínios: o fragmento A amino terminal (FA ou domínio C catalítico), fragmento B (FB ou carboxi domínio R de ligação ao receptor terminal) e o domínio T de translocação (ou transmembrana). A toxina da difteria é sintetizada sob a privação de ferro e é extracelular secretado como uma única cadeia polipeptídica. nessa conformação, a toxina é inativa, pode ser absorvida pelo sistema circulatório e disseminado para partes remotas do corpo. A toxicidade de apenas uma molécula de AF no citosol é alto o suficiente para matar uma célula infectada. A entrega de DT para o citosol é um processo sequencial. Primeiro, a toxina se liga à endocitose mediada por receptor de superfície celular sensível (RME) via domínios R e o crescimento epidérmico de ligação à heparina precursor do tipo fator (HB-EGF). Em segundo lugar, a toxina entra na célula por endocitose e o pH ácido dentro do endossomo desencadeia uma translocação do domínio catalítico (FA), levando à inserção dos domínios T e C na membrana. O domínio C ativo cruza o membrana endossômica no citoplasma e a inibição da síntese de proteínas ocorre via ADP-ribosilação de seu alvo celular, o fator de alongamento 2 (EF-2).O gene tox para a expressão da toxina da difteria está localizado em genomas de corinebacteriófagos, que são capazes de se integrar nos cromossomos de C. diphtheriae, C. ulcerans e C. pseudotuberculosis.
2.2) Ácidos micólicos e micolatos de trealosil
Os ácidos micólicos, os principais constituintes lipídicos das Corynebacterineae, são a principal característica do grupo CMNR (Corynebacterium, Mycobacterium, Nocardia e Rodococcus) de Actinobacteria e desempenham um papel essencial na manutenção da integridade do envelope de células bacterianas. Eles influenciam fortemente a segunda barreira de permeabilidade correspondendo à membrana externa de bactérias Gram-negativas. E contribui para a estabilidade da parede celular (Gahoi et al., 2013). Além disso, uma micoliltransferase semelhante designada proteína de ligação à fibronectina, foi identificada em corinebactérias.
2.3) Pili
Pili e fímbrias são protuberâncias proteicas que desempenham um papel importante para a fixação de bactérias a superfícies abióticas e bióticas. A presença de fímbrias na superfície de Corynebacterium renale foi relatada pela primeira vez por Yanagawa & Honda (1976), quando foi sugerida a participação na adesão aos eritrócitos. Desde então, as estruturas pili podem ser o fator de adesão mais investigado na superfície de C. diphtheriae, no que diz respeito,dados experimentais na interação hospedeiro-patógeno de células eucarióticas, bem como detalhes das análises biológicas moleculares. Estruturas Pili são covalentemente ligadas ao peptidoglicano da parede celular e sua formação requer enzimas com atividade transpeptidase e sinais de classificação de superfície proteínas.
3) Cultura
Espécimes clínicos para o cultivo de C. diphtheriae devem ser coletados tanto da nasofaringe quanto da orofaringe e devem ser inoculados primeiro em um meio não seletivo, enriquecido com ágar‑sangue, e depois em um meio seletivo, meio Tinsdale. O telurito inibe o crescimento da maioria das bactérias do trato respiratório superior e de bacilos Gram‑negativos, além de ser reduzido pelo C. diphtheriae, produzindo colônias características de coloração acinzentada ou negra na placa de ágar. A degradação da cisteína pela atividade da cisteinase de C. diphtheriae produz um halo marrom ao redor das colônias. O ágar Tinsdale é o melhor meio para cultivo de C. diphtheriae em amostras clínicas, no entanto esse meio só pode ser armazenado por curtos períodos de tempo e requer a adição de soro de cavalo.
Figura 4: C. diphtheriae em meio Tinsdale
Fonte: www.microbiologyinpictures.com.
4) Diagnóstico Laboratorial
O tratamento inicial de um paciente com difteria é instituído com base no diagnóstico clínico e não com base nos resultados laboratoriais, uma vez que os resultados definitivos são disponibilizados em, no mínimo, uma semana. Embora o diagnóstico clínico seja utilizado, é imprescindível a investigação laboratorial para o aumento da especificidade do diagnóstico clínico e para que se conheça a frequência da infecção, a participação de cepas toxigênicas e demais características do agente etiológico. Avaliação bioquímica mais extensa ou sequenciamento de genes espécie‑específicos são necessários para identificação da espécie.
Teste de Toxigenicidade: todos os isolados de C. diphtheriae devem ser testados quanto à capacidade de produção de exotoxina. O método considerado padrão‑ouro para detecção da toxina diftérica é um ensaio de imunodifusão in vitro (teste de Elek). Um método alternativo é a detecção do gene que codifica a exotoxina utilizando a reação em cadeia da polimerase (PCR). As cepas não toxigênicas de C. diphtheriae não causam difteria clássica. Entretanto, essas cepas não devem ser ignoradas, já que podem estar associadas a outras doenças importantes, incluindo septicemia, endocardite, artrite séptica, osteomielite e formação de abscesso. Para uma melhor compreensão do PCR, segue o link de um laboratório virtual onde a técnica pode ser realizada: https://learn.genetics.utah.edu/content/labs/pcr/.
Figura 5: Teste de Elek positivo em 1 e 4
Fonte: www.rahulgladwin.com.
5) Patogênese e Patologia
O principal fator de virulência é a toxina diftérica, uma exotoxina do tipo A‑B. Existem três regiões funcionais na molécula da toxina, a região de ligação com o receptor e a região de translocação, ambas localizadas na subunidade B, e a região catalítica localizada na subunidade A. O receptor para a toxina é o fator de crescimento epidérmico ligante de heparina, que está presente na superfície de diversas células eucarióticas, especialmente nas células cardíacas e nervosas, o que explica os sintomas neurológicos e cardíacos observados em pacientes com quadros de difteria grave. Após a ligação da toxina à célula hospedeira, a região de translocação é inserida na membrana endossômica, facilitando a internalização da região catalítica para o citosol. A subunidade A então bloqueia a síntese de proteínas da célula hospedeira pela inativação do fator de alongamento‑2 (EF‑2), um fator envolvido na movimentação das cadeias peptídicas originadas nos ribossomos. A síntese da toxina é regulada por um elemento codificado pelo cromossomo, o repressor da toxina diftérica (DTxR). Essa proteína, ativada na presença de altas concentrações de ferro, é capaz de se ligar ao operador do gene da toxina e reprimir a sua produção.
Figura 6: Toxina diftérica
Fonte: Ton-That H., Schneewind O. (2003). Assembly of pili on the surface of Corynebacterium diphtheriae. Mol Microbiol 50(4):1429-1438.
5) Patologia
A exposição a C. diphtheriae pode resultar em colonização assintomática em pessoas totalmente imunizadas, doença respiratória moderada em pacientes parcialmente imunizados ou em doença fulminante e algumas vezes fatal, em pacientes não imunizados . A toxina diftérica é produzida no sítio da infecção e é disseminada pela corrente sanguínea, para produzir os sinais sistêmicos de difteria. O microrganismo não precisa entrar no sangue para causar a doença. Ela pode apresentar duas formas:
Difteria respiratória: início súbito com faringite exsudativa, dor de garganta, febre baixa e mal‑estar; uma pseudomembrana espessa se desenvolve na faringe; complicações cardíacas e neurológicas são as mais significativas em pacientes críticos.
Difteria cutânea: A difteria cutânea é adquirida pelo contato da pele com outras pessoas infectadas. O microrganismo coloniza a pele e penetra no tecido subcutâneo através de fissuras na pele. Inicialmente ocorre o desenvolvimento de uma pápula que evolui para uma úlcera crônica que não cicatriza e que, algumas vezes, é coberta por uma membrana acinzentada.
6) Tratamento, Prevenção e Educação em saúde
A medida terapêutica na Difteria é a administração do soro antidiftérico (SAD), que deve ser feito em unidade hospitalar e cuja finalidade é inativar a toxina circulante o mais rapidamente possível e possibilitar a circulação de excesso de anticorpos, em quantidade suficiente para neutralizar a toxina produzida pelos bacilos. O SAD não tem ação sobre a toxina já impregnada no tecido. Portanto, sua administração deve ser feita o mais precocemente possível, frente a uma suspeita clínica bem fundamentada. Antibioticoterapia com penicilina ou eritromicina é também utilizada para eliminar C. diphtheriae e bloquear a produção de toxina. Durante o tratamento são importantes o repouso, o isolamento para prevenir transmissão secundária e a manutenção de uma abertura nas vias aéreas em pacientes com difteria respiratória. Após a recuperação do paciente, a imunização com toxóide diftérico é necessária, uma vez que a maioria dos pacientes não conseguem desenvolver anticorpos protetores depois da infecção natural. Inicialmente, as crianças recebem cinco injeções dessa preparação, juntamente com antígenos do tétano e de pertússis (vacina DTP), nas idades de 2, 4 e 6 meses, 15 a 18 meses e 4 a 6 anos. Após esse período, é recomendado um reforço a cada 10 anos com o toxoide diftérico combinado com o toxoide tetânico.
A eficácia da imunização é bem documentada, sendo a doença restrita a indivíduos não imunizados ou imunizados de forma incompleta. As pessoas que mantiveram contato próximo com pacientes diagnosticados com difteria apresentam risco de aquisição da doença. Espécimes clínicos da nasofaringe para cultivo de C. diphtheriae devem ser coletados de todas estas pessoas, e profilaxia antimicrobiana com eritromicina ou penicilina deve ser iniciada imediatamente. Qualquer indivíduo que tenha tido contato e que não tenha completado todas as etapas de imunização para difteria ou que não tenha recebido a dose de reforço nos últimos cinco anos, deve receber uma dose de reforço do toxóide. Pessoas expostas à difteria cutânea devem ser tratadas da mesma maneira, uma vez que já foi relatado que essa forma de difteria é mais contagiosa do que a forma respiratória. Se a infecção respiratória ou cutânea é causada por uma cepa não toxigênica, a profilaxia não é necessária em indivíduos que tenham tido contato com os pacientes.
Fonte: Centro de Infusão, Infectologia e Vacinas - Hospital Dia.
Figura 9: Campanha de prevenção à Difteria
Fonte:https://alomae.prefeitura.sp.gov.br/difteria-2017/.
Figura 10: Campanha de prevenção à Difteria
Fonte:www.alcaldiaelhatillo.gob.ve.
Vídeo 1: C. diphtheriae
7) Caso clínico
S.N.J.H.G, 57 anos, proveniente de Tibau, sem apresentar a carteira de vacinação , deu entrada em um hospital local com queixas de dor de garganta e dificuldade para deglutir depois de uma viagem a Pernambuco. O plantonista prescreveu ao paciente antibióticos orais e deu alta. Após dois dias teve piora do quadro e foi encaminhado ao HRTM com calafrios, sudorese, dificuldade para deglutir e respirar, náusea e vômito, permanecendo desta vez internado na unidade de terapia intensiva. Apesar do tratamento, ele continuou a piorar e no 17° dia de hospitalização desenvolveu complicações cardíacas e foi a óbito.
8) Questões de Estudo
Que tipo de patologia este caso clínico ilustra?
Quais os meios de transmissão e quais as medidas de profilaxia?
Quais as principais manifestações clínicas?
Quais são os biotipos dessa bactéria e quais os que normalmente causam os sintomas apresentados pelo paciente?
REFERÊNCIAS
CHAUDHARY, Anmol; PANDEY, Shivlal. Corynebacterium Diphtheriae. StatPearls [Internet], 2020.
FORMIGA, Luiz Carlos D.; GUARALDI, Ana Luiza Mattos. Difteria: profissionais susceptíveis, diagnóstico, vacinação e reparação de danos. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 37, n. 4, p. 292-293, 2001.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR). Difteria. In.: Informe Epidemiológico. 2015. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2015. Disponível em: <www.saude.gov.br/images/pdf/2018/marco/12/BR-Dif-Informe-2015.pdf>. Acesso em: 20 set. 2020
MURRAY, P.; ROSENTHAL, K. S.; PFFALER, M. A. Microbiologia Médica, ELSEVIER, 7a edição. 2010.
Autores do trabalho:
ResponderExcluirGabriel de Oliveira Moura Cunha
Herculano Lins Oliveira
Jeones Oliveira Gomes do Rego
Nadson Alves do Nascimento
Samuel Marcondes Puker de Sousa