1) Morfologia e Estrutura
A bactéria Escherichia coli pertence à família Enterobacteriaceae e é a mais comum e mais importante membro do gênero Escherichia. Além disso, apresenta formato de bacilo (figura 1), é gram-negativa, catalase-positiva, anaeróbia facultativa, fermentadora de açúcares, não formam esporos, possuem fímbrias ou adesinas que permitem a sua fixação, impedindo o arrastamento pela urina ou diarreia e apresentam flagelo que auxiliam na sua locomoção. A E. coli é lactase positiva, uma enzima fermentadora de açúcares que é grandemente responsável pela flatulência de cada pessoa, especialmente após o consumo de leite e seus derivados.
Figura 1: Bactéria Escherichia coli
Fonte: https://opas.org.br/infeccoes-por-escherichia-coli/.
Ademais, é oxidase‐negativo, ou seja, não possui enzima oxidase e, consequentemente, não consegue catalisar uma reação de oxidação/redução, cuja característica ajuda a distinguir a família Enterobacteriaceae de outros bacilos gram negativos (oxidase positiva) por intermédio do teste de oxidase. Ela é encontrada normalmente na microbiota entérica (intestino) de aves e mamíferos.
Possuem lipopolissacarídeo (LPS), que é o principal antígeno da parede celular e consiste em 3 componentes: o polissacarídeo O somático mais externo, um polissacarídeo central comum a todas as Enterobacteriaceae e o lipídio A (figura 2), que é responsável pela atividade endotóxica, um importante fator de virulência e contribui para a integridade estrutural da bactéria, pois protege sua membrana de certos tipos de ataques químicos. A classificação sorológica das Enterobacteriaceae se baseia em três principais grupos de antígenos: o polissacarídeo O somático, o antígeno capsular (K) (polissacarídeos tipo‐específicos) e as proteínas flagelares (H).
Há pelo menos 200 sorotipos de E. coli que são reconhecidos até o momento e, de acordo com as síndromes clínicas, fatores de virulência e características sorológicas, podemos classificá-los em cinco patótipos: E. coli Enteropatogênica (EPEC), E. coli Enterohemorrágicas (EHEC), E. coli Enterotoxigênica (ETEC), E. coli Enteroinvasora (EIEC) e E. coli Enteroagregativa (EAEC ou EaggEC) .Este microrganismo está associado a uma variedade de doenças, incluindo gastrenterite e infecções extraintestinais como infecções do trato urinário (ITU), meningites e sepses.
Figura 2: Estrutura da bactéria Escherichia coli
Fonte: Livro Microbiologia Médica Murray 7ª edição.
Figura 3: Estrutura da bactéria Escherichia coli
Fonte:https://sites.google.com/site/fctunlescherichiacoli/gallery.
2) Mecanismos de patogenicidade
2.1)Endotoxina A
A atividade dessa toxina depende do lipídio A, componente do LPS, que é liberado na lise celular. Muitas manifestações sistêmicas das infecções por bactérias Gram‑negativas são iniciadas pela endotoxina que ativa o complemento, causa liberação de citocinas, leucocitose, trombocitopenia, coagulação intravascular disseminada, febre, diminuição da circulação periférica, choque e até morte.
Figura 4: Endotoxinas de bactérias gram-negativas
fonte: https://microimunoliga.blogspot.com/ (adaptado)
2.2) Cápsula
As enterobactérias encapsuladas são protegidas da fagocitose pelos antígenos capsulares hidrofílicos, que repelem a superfície hidrofóbica da célula fagocítica. Esses antígenos interferem na ligação dos anticorpos à bactéria, são pouco imunogênicos e incapazes de ativar o complemento.
2.3) Variação de Fase Antigênica
As expressões dos antígenos somático O, capsular K e flagelar H estão sob controle genético do microrganismo. Cada um desses antígenos pode ser alternadamente expresso ou não (variação de fase), uma característica que protege a bactéria da morte mediada por anticorpo.
Vídeo complementar:
2.4) Sistemas de Secreção Tipo III
O sistema secretório tipo III pode ser imaginado como uma seringa molecular com aproximadamente 20 proteínas que facilitam a transferência de fatores de virulência bacterianos para as células‑alvo do hospedeiro. Embora os fatores de virulência e seus efeitos sejam diferentes entre os vários bacilos Gram‑negativos, o mecanismo pelo qual os fatores de virulência são introduzidos é o mesmo. Na ausência do sistema secretório tipo III, a bactéria tem sua virulência diminuída.
Figura 5: Sistema de secreção
fonte: https://netnature.wordpress.com/ (adaptado)
Vídeo complementar:
2.5) Sequestro de Fatores de Crescimento
O meio de cultura enriquecido fornece nutrientes ao microrganismo, mas quando a bactéria cresce in vivo deve se tornar um predador para obter nutrientes. O ferro é um importante fator de crescimento, necessário para a bactéria, mas está ligado às proteínas heme (p. ex., hemoglobina, mioglobina) ou às proteínas quelantes de ferro (p. ex., transferrina, lactoferrina). A bactéria contra‑ataca produzindo seus próprios sideróforos ou compostos quelantes de ferro (p. ex., enterobactina, aerobactina). O ferro também pode ser liberado das células hospedeiras por hemolisinas produzidas pelas bactérias.
2.6) Resistência aos Antimicrobianos
Tão rapidamente quanto novos antibióticos são introduzidos, os microrganismos podem desenvolver resistência a eles. Essa resistência pode ser codificada por plasmídeos transferíveis e trocada entre as espécies, gêneros e mesmo famílias de bactérias.
Fonte: Levy; Marshall, 2004.(adapitado)
3) Cultura e Diagnóstico laboratorial
Para a detecção da Escherichia coli são obtidas amostras de sangue, fezes, às vezes urina, ou outro material infectado e enviadas para um laboratório para fazer cultura das bactérias. Sua identificação é feita pela detecção da bactéria nas amostras coletadas do paciente.
O Agar Cled é o meio de cultura indicado para contagem microbiana total de bactérias presentes na urina e para diferenciação de bactérias fermentadoras e não fermentadoras de lactose. É recomendado para bacteriologia urinária, auxiliando o crescimento de todos os patógenos urinários para boa diferenciação de colônias e características claras de diagnósticos. O método Ágar MacConkey é usado nas amostras em geral.
Figura 6: Meio Ágar Cled
Fonte: www.biomedicinapadrao.com.br
Figura 7: Meio Ágar Cled colonizado por Escherichia coli
Fonte: www.biomedicinapadrao.com.br
Figura 8: Meio Ágar MacConkey
Fonte: www.biomedicinapadrao.com.br
Figura 9: Meio Ágar MacConkey colonizado por Escherichia coli
Fonte: www.biomedicinapadrao.com.br
Figura 10: Meio Ágar Hektoen
Fonte: www.biomedicinapadrao.com.br
Figura 11: Meio Ágar Hektoen colonizado por Escherichia coli
Fonte: www.biomedicinapadrao.com.br
O Meio SIM (caracterizado pela sigla que representa Sulfito de Hidrogênio, Indol e Motilidade) é uma combinação que testa três parâmetros diferentes, motilidade dos microrganismos e produção de sulfito de hidrogênio e indol, recomendado para realizar a diferenciação de enterobactérias, especialmente Escherichia, Salmonella e Shigella.
Figura 12: Meio SIM contendo Escherichia coli
Fonte: www.aneste.org
3.1 Análise de tipificação de E. Coli
Os métodos de detecção de sorotipos de E. coli são baseados em PCR convencional, Tempo Real dos genes de virulência (antígeno O, K e H), detecção de anticorpos com método de ELISA ou sequenciamento e análise do genoma completo. Tais abordagens permitem a detecção de certos antígenos que auxiliam na diferenciação de sorotipos patogênicos de não patogênicos. Permitindo a diferenciação dos 5 patótipos de E. coli: Enteropatogênica (EPEC), Enterohemorrágicas (EHEC), Enterotoxigênica (ETEC), Enteroinvasora (EIEC) e Enteroagregativa (EAEC ou EaggEC).
Vídeo complementar: Meios colonizados por Escherichia coli
4) Patogênese e Patologia
É o bastonete Gram‑negativo aeróbio mais comum no trato gastrointestinal. A maioria das infecções é endógena (microbiota normal do paciente), embora as cepas que causam gastrenterite sejam geralmente adquiridas exogenamente.
E. coli possui uma variedade de fatores de virulência. Além de fatores comuns a todos os membros da família Enterobacteriaceae, cepas de E. coli possuem fatores de virulência específicos como adesinas e exotoxinas.
Figura 13: Tabela com as gastrenterites causadas por Escherichia coli.
Fonte: Autoria própria.
4.1) Infecções Extraintestinais
4.1.1) Infecção do Trato Urinário (ITU):
A maioria das cepas de E. coli pode produzir ITU, entretanto a doença é mais comum em alguns sorogrupos específicos, geralmente provenientes do cólon. São bactérias particularmente virulentas, pois possuem a capacidade de produzir adesinas (pili P, AAF/I, AAF/III e Dr), que se ligam às células que revestem a bexiga e o trato urinário superior (a aderência impede a eliminação da bactéria durante a micção) e produzem a hemolisina HlyA, que lisa os eritrócitos e outros tipos celulares (levando à liberação de citocinas e estimulando uma resposta inflamatória).
4.1.2) Meningite Neonatal:
Cepas de E. coli e estreptococos do grupo B causam a maioria das infecções do sistema nervoso central (SNC) em neonatos com menos de um mês de idade. Aproximadamente 75% das cepas de E. coli possuem o antígeno capsular K1. Esse sorogrupo também está presente no trato gastrointestinal de mulheres grávidas e crianças recém‑nascidas. Entretanto, o motivo de esse sorogrupo ter uma predileção para causar doenças em recém‑nascidos não é compreendido.
4.1.3) Septicemia:
Geralmente, a septicemia causada por E. coli tem como origem as infecções dos tratos urinário e gastrointestinal (p. ex., a perfuração do intestino leva a uma infecção intra‑abdominal). A mortalidade associada à septicemia causada por E. coli é alta em pacientes cuja imunidade está comprometida ou quando a infecção primária está no abdome ou no sistema nervoso central (SNC).
5) Tratamento, Prevenção e Educação em saúde
A transmissão ao homem pode ocorrer pelo consumo de alimentos contaminados, principalmente carne e leite crus ou mal cozidos, e também pelo consumo de vegetais crus, tocar em animais que tenham uma infecção por E. coli, tomar água que contenha E. coli, sobretudo em lagos, reservatórios, córregos ou piscinas. Outra possibilidade é a transmissão de pessoa a pessoa, pela via fecal‐oral.
Para evitar a contaminação por Escherichia coli:
Lave as mãos após usar o banheiro ou trocar uma fralda;
Sempre lave as mãos, balcões, tábuas de cortar e utensílios após tocar em carnes cruas;
Cozinhe a carne a uma temperatura de 71 °C ou mais antes de comê-la;
Evite leite cru, outros laticínios e sucos que não tenham sido pasteurizados (o tratamento térmico que mata bactérias);
Evite engolir água em lagos, reservatórios, córregos ou piscinas;
Ter atenção a higienização dos alimentos;
Usar luvas ao cuidar dos animais;
Sempre lavar o vaso sanitário após diarreia;
O tratamento da infecção por Escherichia coli é feito de acordo com o tipo de infecção, idade da pessoa e sintomas apresentados, sendo normalmente indicado pelo médico o repouso e o uso de antibióticos, como Levofloxacino, Gentamicina, Ampicilina e Cefalosporina, por exemplo, por 8 a 10 dias ou de acordo com a recomendação do médico. No caso da E. coli causar diarreia grave com presença de sangue nas fezes, pode ser indicado também fazer uso de soro para evitar a desidratação. Além disso, de acordo com a gravidade dos sintomas, o médico pode indicar remédios que aliviam o desconforto e a dor, como o Paracetamol.
É importante que durante o tratamento da infecção por Escherichia coli a pessoa tenha uma alimentação leve, dando preferência ao consumo de frutas, legumes e verduras, além de ingerir bastante líquidos para ajudar na eliminação da bactéria, no caso de infecção urinária, e prevenir a desidratação, no caso da infecção intestinal.
6) Caso clínico
G.H.J.N.S, proveniente de zona rural, sexo masculino, com 1 ano e 8 meses de vida, dá entrada no HRTM, com história de vômito, flatulência e diarréia nas últimas 24 horas. Apresentava-se apático e letárgico, apesar da mãe referir que normalmente era uma criança esperta e alegre. Ao exame físico mostrou-se moderadamente desidratado, com temperatura de 37,5°C. Os exames de ouvido, nariz e garganta foram normais, bem como a ausculta pulmonar. Foi verificado abdômen flácido e sensibilidade moderada em baixo ventre.
Questões de Estudo
Que tipo de patologia este caso clínico ilustra e qual diagnóstico confirmatório?
Quais os meios de transmissão e como se desenvolve a patologia?
Qual a principal manifestação clínica e quais as complicações para o paciente?
Como podemos classificar e quantos são os patótipos desses enteropatógenos?
REFERÊNCIAS
AMEER, Muhammad Atif; WASEY, Abdul; SALEN, Philip. Escherichia Coli (E Coli 0157 H7). StatPearls [Internet], 2020.
BALDINI, Mary M. et al. Adesão mediada por plasmídeo em Escherichia coli enteropatogênica. Jornal de gastroenterologia pediátrica e nutrição , v. 2, n. 3, pág. 534-538, 1983.
CROXEN, Matthew A.; FINLAY, B. Brett. Molecular mechanisms of Escherichia coli pathogenicity. Nature Reviews Microbiology, v. 8, n. 1, p. 26-38, 2010.
KAPER, James B.; NATARO, James P.; MOBLEY, Harry LT. Pathogenic escherichia coli. Nature reviews microbiology, v. 2, n. 2, p. 123-140, 2004.
MURRAY, P.; ROSENTHAL, K. S.; PFFALER, M. A. Microbiologia Médica, ELSEVIER, 7a edição. 2010.
NATARO, James P .; KAPER, James B. Diarrheagenic escherichia coli. Revisões de microbiologia clínica , v. 11, n. 1, pág. 142-201, 1998.
TABORDA, Roger Lafontaine Mesquita et al . CHARACTERIZATION OF ENTEROAGGREGATIVE ESCHERICHIA COLI AMONG DIARRHEAL CHILDRENIN WESTERN BRAZILIAN AMAZON. Arq. Gastroenterol., São Paulo , v. 55, n. 4, p. 390-396, Dec. 2018 .
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