quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Bacillus anthracis

 1) Morfologia e Estrutura 


O Bacillus anthracis é um microrganismo grande (1 × 3 a 8 μm), arranjado como bacilo isolado ou aos pares, ou ainda como longas cadeias serpentiformes. Possui uma cápsula polipeptídica proeminente e três genes (capA, capB e capC) são responsáveis pela síntese dessa cápsula e são carreados por um segundo plasmídeo (pXO2). Uma cepa virulenta de B. anthracis carreia genes para três componentes proteicos toxigênicos em um plasmídio grande, o pXO1. As proteínas que compreendem o antígeno protetor (PA), fator de edema (EF) e fator letal (LF), são atóxicas individualmente, mas formam importantes toxinas quando combinadas: o PA combinado com o EF forma a toxina de edema, e quando combinado com o LF forma a toxina letal. 


   

O PA  se liga a um ou dois receptores da superfície das células hospedeiras, que estão presentes em muitas células e tecidos (p. ex., cérebro, coração, intestino, pulmão, músculo esquelético, pâncreas, macrófagos). Após o PA ligar‑se ao seu receptor, as proteases da célula hospedeira clivam o PA, liberando um pequeno fragmento e retendo um fragmento (PA63 ) na superfície celular. Os fragmentos de PA63 associados à superfície celular formam um complexo (poro precursor ou “pré‑poro”). Esse complexo pode então se ligar com até três moléculas de LF e/ou EF. Ambos os fatores reconhecem o mesmo sítio de ligação do PA63 e logo, a ligação é considerada competitiva. A formação do complexo estimula a endocitose e o movimento em direção a um compartimento acídico. Neste ambiente, o complexo forma um poro transmembrana que libera LF e EF no interior do citosol da célula. LF é uma protease zinco‑dependente que é capaz de clivar uma proteína quinase mitógeno‑ativada (MAP), levando à morte celular. EF é uma adenilato ciclase calmodulina‑dependente que aumenta os níveis intracelulares de monofosfato de adenosina cíclico (AMPc ), resultando em edema. A proteína EF está relacionada às adenilato ciclases produzidas por Bordetella pertussis e Pseudomonas aeruginosa

    

2) Mecanismos de Patogenicidade 


Os principais fatores responsáveis pela superação do sistema imune e consequente virulência do Bacillus anthracis são a presença de uma cápsula antifagocítica e de duas exotoxinas. A cápsula inibe a fagocitose de células em replicação enquanto a toxina de edema contém adenilato ciclase, causadora de acúmulo de fluidos. Já a toxina letal traz a zinco metaloprotease responsável por estimular a liberação do fator de necrose tumoral-α (TNF-α), interleucina-1β e de outras citocinas pró-inflamatórias.


3) Cultura e/ou Diagnóstico Laboratorial 


As infecções causadas por B. anthracis são caracterizadas pela presença de grande número de microrganismos nas feridas, nódulos linfáticos envolvidos e sangue. O antraz é uma das poucas doenças bacterianas cujo microrganismo pode ser visto quando o sangue periférico é corado pelo método de Gram. 

Desse modo, a detecção do microrganismo por microscopia e cultura não é um problema. A dificuldade do diagnóstico laboratorial está em distinguir B. anthracis de outros membros do grupo taxonomicamente relacionado B. cereus. A  identificação preliminar de B. anthracis está baseada na microscopia e na morfologia colonial. Esses microrganismos apresentam‐se como bacilos Gram‐positivos, longos e finos, isolados ou arranjados em longas cadeias. Os esporos não são observados nos materiais clínicos, mas sim nos cultivos incubados em atmosfera com baixa tensão de dióxido de carbono (CO2) e podem ser mais bem observados utilizando‐se uma coloração especial para esporos (p. ex., coloração verde‐ malaquita. 



A cápsula de B. anthracis é produzida in vivo, mas não é comumente observada na cultura. A cápsula pode ser observada utilizando‐se uma coloração de contraste, como a tinta da China (as partículas de nanquim são excluídas pela cápsula, de modo que o fundo, mas não a área ao redor da bactéria, aparece escuro), coloração de azul de metileno de M’Fadyean ou um teste de imunofluorescência direta (IFD) desenvolvido contra o polipeptídeo capsular. As colônias cultivadas em ágar‐sangue de carneiro são grandes, não pigmentadas e apresentam uma superfície seca rugosa, semelhante a vidro moído, de bordas irregulares, com projeções ao longo da linha de semeadura, onde o material foi inoculado (morfologia conhecida como “cabeça de Medusa”). 

As colônias são bastante viscosas e aderentes ao ágar, e quando são removidas com alça bacteriológica, permanecem firmes como claras de ovo batidas. Em contraste ao B. cereus, as colônias não são hemolíticas. B. anthracis aparecerá imóvel em preparação de gota pendente do meio de cultura. A identificação definitiva de B. anthracis imóveis e não hemolíticos deve ser feita em um laboratório de referência de saúde pública. A identificação também inclui a demonstração de produção da cápsula (por microscopia ou IFD) e a demonstração de um polissacarídeo específico da parede celular de B. anthracis, através de lise bacteriana por fagos gama ou teste positivo por IFD.

Além disso, testes de amplificação de ácido nucleico (p. ex., reação em cadeia da polimerase [PCR]) têm sido desenvolvidos e são realizados em laboratórios de referência. Os testes de PCR também estão disponíveis comercialmente.


4) Patologia 


As apresentações clínicas provindas por uma infecção por Bacillus anthracis tem como principais fatores mecanismos patogênicos da bactéria, que se dão por meio de evasão da fagocitose e pela liberação de toxinas, que podem agir no sistema imune estimulando a produção de citocinas pró-inflamatórias, por exemplo. Dentre as enfermidades causadas por esse bacilo está o Antraz cutâneo, uma pápula indolor formada no local da inoculação e que rapidamente progride para uma úlcera, podendo necrosar. 


 

Antraz cutâneo. Imagens retiradas do Google Imagens.


Também pode ocorrer o desenvolvimento do Antraz gastrointestinal, uma infecção com uma mortalidade associada de quase 100%, os sinais clínicos dessa doença se dão conforme seu local de infecção, podendo ser na boca, esôfago, ceco, etc. Quando no ceco ou no íleo terminal, é notada a ocorrência de náuseas e vômitos, podendo progredir de forma sistêmica. Outra forma de apresentação da infecção por B. anthracis se dá por meio da sua inalação. Essa forma de infecção apresenta uma clínica que começa com sintomas inespecíficos, mas que rapidamente evoluem para choque, ao menos que haja uma intervenção médica rápida, quase todos os pacientes que desenvolvem essa forma da doença falecem.


5) Tratamento


Infecções por Bacillus possuem uma evolução rápida e progressiva, com isso, o tratamento de algumas doenças como o Antraz gastrointestinal e o Antraz inalado se tornam dificultados caso não sejam diagnosticados logo no início da infecção, o que raramente ocorre. Juntamente a esses fatores, há também a complicação do tratamento por conta da elevada incidência de resistência contra os antimicrobianos, sendo usado, quando efetivo, Vancomicina, Ciprofloxacina ou Clindamicina.


6)  Prevenção e Educação em Saúde


O antraz não é contagioso, ou seja, não é possível transmiti-lo de uma pessoa para outra como uma gripe. As pessoas podem contraí-lo entrando em contato com animais ou produtos de origem animal (lãs, peles ou pelos) contaminados com a bactéria. A contaminação se dá quando os esporos do antraz entram no corpo humano, seja pelo contato com a pele, pela inalação, pela ingestão de carne crua ou mal cozida de animais contaminados e também pela injeção. Dessa forma, como forma de prevenção, materiais que possam conter a bactéria Bacillus anthracis não devem ser tocados, ingeridos ou inalados, deve-se isolar ambientes contaminados para desinfecção e também comer carnes de boa procedência e qualidade, como também evitar comer carne crua ou mal cozida. Existe a vacina. Existe uma vacina disponível para pessoas com alto risco, como militares, veterinários, técnicos de laboratório, funcionários de empresas têxteis que processam pelos de animais importados), como também existe uma vacina veterinária. O maior risco do antraz é que ele pode ser utilizado como arma biológica.




7) Caso Clínico 


G.M, sexo masculino, 42 anos, deu entrada no HRTM com queixas de febre, tosse, náuseas, dor tóracica e abdominal e dificuldade para respirar. No exame físico, a temperatura foi de 39,4°C, pressão arterial de 150/80 mm Hg, pulso de 100 batimentos/min e uma frequência respiratória de 19 respirações/min. Na radiografia inicial de tórax foram observados alargamento do mediastino (ponta da seta), aumento hilar bilateral e derrame pleural à direita. 

Imagem de Mayer TA, Bersoff-Matcha S, Murphy C, et al. Clinical presentation of inhalational anthrax following bioterrorism exposure. JAMA. 2001;286: 2549-2543.  


Diagnóstico provável de infecção por Bacillus anthracis pela via inalatória. O antraz inalatório causa, geralmente, alargamento mediastinal causado por adenopatia cervical, assim como derrames pleurais, geralmente hemorrágicos, que aumentam rapidamente, e são aliviados se submetidos a toracocentese de alívio em vez de drenagem torácica. Radiografias demonstraram infiltrados pulmonares ou consolidação em 8 dos 11 pacientes. 

A infecção por Bacillus anthracis pode ser rapidamente fatal se não tratada com múltiplos antibióticos e drenagem pleural. O período de incubação do antraz inalatório pode variar de 2 a 43 dias em seres humanos, mas geralmente é de 3 a 14 dias.

O tratamento do antraz inalatório inclui antibióticos e drenagem pleural. As recomendações de tratamento dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC, Centros de Controle e Prevenção de Doenças) incluem um esquema de associação de antibióticos, com ciprofloxacino (400 mg intravenosos a cada 12 horas) ou doxiciclina (100 mg intravenosos a cada 12 horas) mais um ou mais antibióticos no caso de antraz inalatório ou gastrointestinal: rifampicina, vancomicina, penicilina, ampicilina, cloranfenicol, imipenem, clindamicina ou claritromicina. 

Para evitar risco de desenvolvimento de resistência, a penicilina não pode ser usada como agente  único de tratamento. O antraz pode ser prevenido através da vacinação pré-exposição ou profilaxia antibiótica pós-exposição. 


8) Questões de Estudo


1. Quais são as características, de forma simplificada, da bactéria Bacillus anthracis?

É um bacilo de grandes dimensões, encapsulado, gram-positivo, imóvel, que, em sua forma esporulada, mede de 1 a 1,5 micrômetros por 3 a 10 micrômetros.


2. Além da forma clínica inalatória, quais outras formas clínicas a infecção por antraz pode apresentar?

A infecção por Bacillus anthracis  pode se manifestar de forma cutânea ou gastrointestinal, sendo sua forma clínica definida pela rota de entrada do esporo no corpo.


3. Quais são os principais fatores de virulência dessa bactéria?

Os três componentes das exotoxinas do antraz, antígeno protetor (PA), fator de edema (EF) e fator letal (LF), são individualmente não tóxicos, mas se combinam para formar os dois principais fatores de virulência de B. anthracis: toxina letal (LT, composta de LF + PA) e toxina de edema (ET, composto de EF + PA).


REFERÊNCIAS 


Murray, Patrick R. Microbiologia Médica. 7° Edição.


MAYER, T. A. et al. Clinical Presentation of Inhalational Anthrax Following Bioterrorism Exposure: Report of 2 Surviving Patients. JAMA, v. 286, n. 20, p. 2549, 28 nov. 2001.


CARDOSO, Telma Abdalla de Oliveira; VIEIRA, Duarte Nuno. Bacillus anthracis como ameaça terrorista. Saúde debate,  Rio de Janeiro ,  v. 39, n. 107, p. 1138-1148,  Dec.  2015 .

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