quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Streptococcus pyogenes

Streptococcus pyogenes 


1- Morfologia e Estrutura


A partir da etimologia da palavra, pode-se entender um pouco da morfologia e da estrutura desse patógeno. O radical streptus significa flexível, enquanto coccus: grão ou baga, ou seja uma baga ou cocos flexíveis, refere-se à aparência longa e flexível da cadeia. Sob mesma perspectiva pyus significa pus e gennaio, gerar ou produzir, ou seja, produtores de pus

Fonte: G1 - Globo

         

Fonte: Google imagens                                          Fonte: Biomedicina Padrão


S. pyogenes são cocos Gram‐positivos de crescimento rápido, não produtores de catalase, dispostos em cadeias, apresentam carboidrato grupo‐específico (antígeno A) e tipo‐específico (proteína M) em sua parede celular, que tem como esqueleto estrutural básico uma camada de peptidoglicano, que tem composição semelhante à encontrada em outras bactérias Gram‐positivas.  O carboidrato grupo‐específico, que constitui aproximadamente 10% do peso seco da célula (antígeno de grupo A de Lancefield), é um dímero de N‐acetilglicosamina e ramnose. Este antígeno é usado para classificar os estreptococos do grupo A de Lancefield, distinguindo‐os de outros grupos de estreptococos. A proteína M é o principal antígeno tipo‐específico associado a cepas virulentas e consiste em duas cadeias polipeptídicas complexadas em uma alfa‐hélice. A proteína está ancorada na membrana citoplasmática e se estende através da parede celular, projetando‐se acima da superfície celular.  O terminal carboxílico, que está ancorado na membrana citoplasmática, e a porção da molécula que se encontra inserida na parede celular são altamente conservados (considerando‐se a sequência de aminoácidos) em todas as cepas de estreptococos do grupo A. O terminal amino, que se estende acima da superfície celular, é responsável pelas diferenças antigênicas observadas nos sorótipos específicos de proteínas M. As proteínas M são subdivididas em moléculas de classe I e de classe II. As proteínas M de classe I compartilham antígenos expostos, o que não ocorre com as proteínas M de classe II. 





Fonte: Google imagens


 Outros componentes importantes na parede celular de S. pyogenes incluem proteínas de superfície semelhantes à proteína M, ácido lipoteicoico e proteína F. O ácido lipoteicóico e a proteína F facilitam a ligação com as células hospedeiras por se complexar com a fibronectina presente na superfície dessas células. Algumas cepas de S. pyogenes apresentam uma cápsula externa de ácido hialurônico que é antigenicamente indistinguível do ácido hialurônico do tecido conjuntivo dos mamíferos. As cepas encapsuladas têm maior probabilidade de causar infecções sistêmicas graves, pois a cápsula protege a bactéria da eliminação por fagocitose.



2- Mecanismos de Patogenicidade


Essas bactérias apresentam carboidratos grupo-específicos (antígeno A) e tipo-específico (proteína M) na parede celular. Sua virulência é determinada pela capacidade de evitar a opsonização e a fagocitose, aderir e invadir as células hospedeiras e produzir toxinas e enzimas variadas.

Para evitar a opsonização e a fagocitose, o parasita possui alguns mecanismos como a cápsula de ácido hialurônico, que é um imunógeno que dificulta a fagocitose. Além disso, as proteínas M bloqueiam o componente C3b do Sistema Complemento, um importante mediador da fagocitose. O fator H, que se liga à superfície celular próximo à proteína M, também pode degradar o componente C3b. As proteínas tipo M são estruturalmente similares à  proteína M, e interferem na fagocitose se ligando ao fragmento Fc dos anticorpos ou à fibronectina, bloqueando a ativação do sistema complemento pela via alternativa e reduzindo a quantidade de C3b ligado. Por fim, a serina protease C5a peptidase está presente na superfície da bactéria, inativando o C5a, um quimioatrativo de neutrófilos e fagócitos mononucleares, protegendo, assim, o microrganismo de uma eliminação precoce a partir de tecidos infectados.

Fonte: Instituto de Biociências UNESP


Para a adesão às células do hospedeiro, os principais antígenos mediadores são: ácido lipoteicoico, que inicialmente tem uma interação fraca com sítios de ligação de ácidos graxos na fibronectina e em células epiteliais; em seguida, a proteína M, proteína F e outras adesinas interagem com receptores específicos nas células do hospedeiro. Obs: a invasão de células epiteliais mediada por proteína M e F pode ser importante para a manutenção de infecções persistentes (ex.: faringite estreptocócica recorrente) e invasão de tecidos profundos.

Quanto à produção de toxinas e enzimas, como as exotoxinas pirogênicas estreptocócicas (Spe), possuem ação como superantígenos, interagindo com macrófagos  e com células T auxiliares, aumentando a liberação de citocinas pró-inflamatórias (responsáveis por manifestações clínicas graves, incluindo fascite necrosante e a síndrome do choque tóxico estreptocócico e erupção cutânea em pacientes com escarlatina). A Estreptolisina O é uma hemolisina capaz de lisar eritrócitos, leucócitos, plaquetas e células em cultura, assim, anticorpos são produzidos contra ela, característica que a diferencia da estreptolisina S, sendo útil para documentar uma infecção recente por estreptococos do grupo A (teste anti-ASO), no entanto, ela é irreversivelmente inibida pelo colesterol dos lipídios da pele, então pacientes com infecções cutâneas não desenvolvem anticorpos anti-ASO. Já as enzimas estreptoquinase (A e B) medeiam a clivagem do plasminogênio, liberando a protease plasmina, que cliva a fibrina e o fibrinogênio, então essas enzimas podem lisar coágulo sanguíneo, facilitando rápida disseminação da bactéria nos tecidos infectados, anticorpos antiestreptoquinase são marcadores de infecção. Por último, as DNases A a D despolimerizam o DNA livre presente no pus, reduzindo viscosidade do abscesso e facilitando disseminação. Anticorpos anti-DNase B são marcadores de infecção por S. Pyogenes, particularmente para pacientes com infecções cutâneas, porque estes não expressam anticorpos contra estreptolisina O.

Fonte: Instituto de Biociências UNESP






3- Cultura e diagnóstico laboratorial 


Os S. pyogenes são colônias β-hemolíticas, com uma diversidade de fatores de virulência. Para o diagnóstico laboratorial (podendo-se diagnosticar, por exemplo, a faringite estreptocócica), a cultura do S. pyogenes é o meio mais padrão para realizar a investigação desse microrganismo na orofaringe do indivíduo. A coleta desse microrganismo pode ser realizada, por exemplo, através da técnica do “swab” (a qual consiste na utilização de um cotonete estéril para coletar exames microbiológicos tanto para estudos clínicos  quanto para pesquisas científicas), colhido na superfície das amígdalas e da parede posterior da faringe. 

Para a identificação do S. pyogenes (e, consequentemente, o diagnóstico laboratorial), pode-se realizar duas técnicas: “testes rápidos” e “cultura”. Em vista disso, destaca-se que a maioria dos testes rápidos possuem alta especificidade (maior do que 95%) quando comparados à técnica de cultura em ágar sangue e, dessa forma, pode-se iniciar o tratamento medicamentoso  baseado no resultado positivo desta técnica. No entanto, a sensibilidade de muitos dos testes rápidos é inferior à da cultura (80 a 90%), tendo, por isso, testes rápidos com resultados negativos para crianças e adolescentes, devendo-se, portanto, realizar a comprovação por meio da cultura da orofaringe. Por isso, o melhor meio para diagnóstico laboratorial seria cultivo em ágar sangue (o qual contém como base rica o ágar columbia e não possui glicose, devido a possibilidade desta atrapalhar a visualização da hemólise; é um ágar acrescido de 5% de sangue de carneiro.   desfibrinado; além disso, possui um aspecto gelatinoso que facilita e torna segura a manipulação no ambiente laboratorial), apresentando uma sensibilidade de 90 a 95%.



Fonte: ANVISA


Fonte: MURRAY

Por fim, ressalta-se que os enterococos crescem rapidamente em meios não seletivos como ágar‑sangue e ágar‑chocolate. Ainda que em materiais corados pelo Gram eles possam ser semelhantes a S. pneumoniae, podem ser prontamente diferenciados por meio de reações bioquímicas simples. No teste de PYR, normalmente, o único estreptococo PYR-positivo é o Streptococcus pyogenes. Esse teste normalmente é realizado por métodos rápidos (cinco minutos). Cocos Gram‑positivos arranjados em pares e cadeias curtas, PYR‑positivos e catalase‑negativos podem ser presuntivamente identificados como enterococos. 


4- Patogênese, Patologia e Tratamento 


As infecções primárias localizam -se na:

-Faringe → Faringites
-Pele → infecções cutâneas

Podem se disseminar desses focos primários e darem origem a infecções em outras regiões causando sinusites, otites e mastoidites, além de invadirem a corrente sanguínea, ocasionando uma bacteremia e infectar diferentes órgãos.
Classificam-se em supurativas e não supurativas.



SUPURATIVAS

Faringite estreptocócica
Mecanismos de fixação à mucosa da faringe e das amígdalas:
-Primeira etapa: A bactéria se fixa a superfície da mucosa, por meio de uma fibrina composta pela proteína M e o ácido lipoteicóico, interagindo com moléculas de fibronectina presentes na superfície da mucosa da orofaringe.
-Segunda etapa: Invade a mucosa e desencadeia a reação inflamatória.
Se desenvolve de dois a quatro dias após a exposição ao patógeno, com início abrupto de dor de garganta, febre, mal-estar e cefaleia. Além disso, a faringe posterior pode se apresentar eritematosa com um exsudato, e com linfadenopatia cervical.

A transmissão vai ocorrer pelo contato direto de pessoa a pessoa, por meio de gotículas de saliva ou de secreção nasal → aglomerações favorecem a transmissão.


Complicação da faringite estreptocócica: Escarlatina
Algumas cepas são produtoras de uma exotoxina pirogênica, que é disseminada via hematogênica e altera a permeabilidade dos capilares sanguíneos, dando origem à formação de eritema, devido ao desencadeamento de uma reação inflamatória.

Obs.:

-Sinal de Filatov: presença de palidez em região perioral, palma das mãos e sola dos pés.
-Lingua de morango: Inicialmente, uma camada branco-avermelhada recobre a língua, logo depois se desprende e revela uma superfície vermelha e inflamada.  


OBS.: As faringite estreptocócica, em alguns casos, podem ter complicações e serem acompanhadas de febre reumática e glomerulonefrite.



Fonte: google imagens


Outras:

-Piodermia: Infecção localizada da pele com vesículas que progridem para pústulas; sem evidências de infecção sistêmica;
-Erisipela: Infecção localizada da pele com dor, inflamação, hipertrofia dos linfonodos e sintomas sistêmicos ;
-Celulite: Infecção da pele que envolve o tecido subcutâneo;
-Fascite necrosante: Infecção profunda da pele que envolve destruição do músculo e das camadas de gordura;
-Síndrome do choque tóxico estreptocócico: Infecção sistêmica que atinge múltiplos órgãos, semelhante à síndrome do choque tóxico estafilocócico; no entanto, a maioria dos pacientes apresenta evidências de bacteremia e fascite.


NÃO SUPURATIVAS
Febre Reumática
É caracterizada por alterações inflamatórias envolvendo coração, articulações, vasos sanguíneos e tecidos subcutâneos. Além de ser causada por tipos específicos de proteína M de classe I com sítio antigênico exposto. Ademais, a febre reumática está associada à faringite estreptocócica, mas não a infecções cutâneas estreptocócicas. 


Glomerulonefrite
É caracterizada por inflamação aguda do glomérulo renal com edema, hipertensão, hematúria e proteinúria e é associada a cepas nefrogênicas específicas de estreptococos do grupo A. Diferentemente da febre reumática, a glomerulonefrite aguda é uma sequela tanto das infecções estreptocócicas de faringe, quanto da piodermia; entretanto, os sorotipos M nefrogênicos são diferentes nessas infecções primárias.


TRATAMENTO
A s. pyogenes é muito sensível à penicilina. Diante disso, a penicilina V oral ou amoxicilina podem ser usadas no tratamento da faringite estreptocócica.Em caso de pacientes alérgicos à penicilina, pode ser usada uma cefalosporina oral ou um macrolídeo. Já para o tratamento de infecções sistêmicas graves é recomendado usar combinado de penicilina intravenosa com um antimicrobiano inibidor de síntese proteica (p. ex., clindamicina).
A presença de resistência ou pouca resposta clínica tem limitado a utilização de tetraciclinas e sulfonamidas. Além disso, a resistência à eritromicina e aos macrolídeos mais novos (p. ex., azitromicina, claritromicina) vem aumentando.
Se o estado de portador persistir, a repetição do tratamento não é indicada, porque o uso prolongado de antimicrobianos interfere na microbiota normal. Os pacientes com um histórico de febre reumática necessitam de profilaxia antimicrobiana prolongada para prevenir a recorrência da doença.



5- Prevenção e Educação em Saúde
De forma geral, a contaminação por Streptococcus pyogenes se dá através da troca de secreções de pessoas contaminadas, como espirro, tosse e, também, líquidos de feridas. Diante disso, podemos colocar pontos importantes para comportamento de pessoas contaminadas, tais como: 

Manter as mãos sempre limpas
Cobrir a boca quando for tossir ou espirrar
Itens pessoais
Evitar aglomerações
Aumentar a imunidade
Saúde bucal

Já para pessoas que desejam não contrair essa bactéria, é importante manter uma relação de higiene constante e, além disso, uma alimentação equilibrada. Alguns pontos a serem seguidos são:

Uso de Álcool em gel e lavar as mãos
Aumento da imunidade
Não compartilhar itens pessoais
Proteger a região da boca e dos olhos
Manter uma saúde bucal
Limpeza dos locais públicos e de convivência familiar


6- Caso clínico e Questões de Estudo

 

GMF, 10 anos, estudante do 5 ano do ensino fundamental, foi levada ao hospital pela mãe após uma ligação da escola informando seu quadro de saúde. Ela apresentava dor de garganta intensa, pescoço dolorido e linfonodos aumentados. Não apresentava tosse e  quando aferida a temperatura, apresentou febre de 39º. A mãe informou ao médico que a filha já vinha apresentando esses sintomas desde o dia anterior. Após uma visualização da garganta, o médico se deparou com pus nas amígdalas.


Após todas as informações acima, qual o possível diagnóstico para essa patologia? Qual(is) o (s) teste (s) podem ser realizadas para comprovar o diagnóstico?


Quais complicações essa criança poderá ter caso o diagnóstico não for correto? 


Como é o contágio e qual a profilaxia para essa patogenia? 


Descreva  características desse patógeno e seus mecanismos de ação no corpo humano. 



REFERÊNCIAS

ANVISA. Módulo 4 - Gram-positivos: Staphylococcus spp., Enterococcus spp., Streptococcus spp. [Internet]. 2018 [acesso em: 2020 set 19]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/rede_rm/cursos/boas_praticas/modulo4/intr_stre.htm 

Souza GR et al. Febre Reumática e Streptococcus pyogenes - uma relação perigosa [Internet]. 2016 [acesso em: 2020 set 19]; 1-12. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/267947127 

ProLab. Meio de cultura Ágar: entenda sua função para uso com sangue [Internet]. 2018 [acesso em: 2020 set 19]. Disponível em: https://www.prolab.com.br/blog/curiosidades/meio-de-cultura-agar-entenda-sua-funcao-para-uso-com-sangue/ 

MURRAY, P.; ROSENTHAL, K. S.; PFFALER, M. A. Microbiologia Médica, ELSEVIER, 7a edição. 2010.

Infecções estreptocócicas [Internet]. 2019 [acesso 2020 Set 22]. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/infec%C3%A7%C3%B5es/infec%C3%A7%C3%B5es-bacterianas-bact%C3%A9rias-gram-positivas/infec%C3%A7%C3%B5es-estreptoc%C3%B3cica


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